Visando a estabilidade e salários mais altos em relação à iniciativa privada, muitos brasileiros estão se degladiando por posições em cargos públicos. Claro que esta disputa é dificílima e causa muito descontentamento nos milhões que não conseguem as vagas. Acontece que os concursos estão super exigentes no que se refere a índice de acertos nas questões objetivas, mas curiosamente esta capacidade não é a mais utilizada no dia-a-dia do funcionário público. Não se trata de olhar uma situação e escolher a melhor dentre cinco alternativas, mas saber escrever um relatório, reportar incongruências, notificar erros, fazer pesquisas e não apenas decorar todas as Leis vigentes. Note que o cargo público é um emprego extremamente estável; não há sempre, para todas as posições, uma avaliação coerente do funcionário, um plano de carreira ou até períodos de capacitação. Deste modo, aquele único dia em que a pessoa marcou uma quantidade de acertos na escolha de alternativas mais ou menos certas determina o futuro e estabilidade no cargo para o resto de sua função social. Ou seja, um modo equivocado de escolha de pessoal pode influir em mais de 30 anos de execução de políticas públicas ou prestação de serviços públicos.
Não se sabe ao certo por que razão esta prática de super valorização de questões objetivas difundiu-se pelos concursos públicos. Tenho percebido na leitura de editais que títulos de doutorado, mestrado ou pós-graduação lato sensu apresentam, comparativamente, o mesmo número de pontos que 5 acertos em 100 testes. Ora, a defesa de uma tese, no assunto da posição almejada, exige muitas competências além do acerto de questões objetivas. Não se pode sequer comparar estas duas medidas, até porque os concursos apresentam questões extremamente mal formuladas, na maioria das vezes. Como se pode escolher um profissional por meio de uma série de pegadinhas e questões ardilosas? Não valorizamos a escrita? Apresentações orais? Histórico profissional e acadêmico? Publicações e autoria de projetos? O que mais importa realmente é a marcação de alternativas menos equivocadas? Fico imaginando se as questões objetivas viessem acompanhadas de uma simples condicionante: Justifique sua resposta.
Obviamente, existem concursos mais sérios na ocupação de cargos públicos, por exemplo: concursos para professores universitários, magistratura, promotoria, defensoria pública; estes são concursos de 1 semana, com uma série de etapas bem elaboradas. Contudo, não podemos menosprezar a função de analistas, técnicos de nível superior e tantos outros cargos que exigem algo além da marcação de alternativas em questões objetivas. Recentemente, um cargo de perito do Ministério Público de São Paulo não previa a prova de títulos em seu edital. Este cargo era de uma exigência forte em conhecimentos técnicos e jurídicos, lamentavelmente o MP-SP ou o responsável esqueceu-se de anexar a prova de títulos como critério de desempate, valorizando apenas e tão somente as questões objetivas. A redação, por exemplo, é uma ferramenta crucial para a avaliação do candidato, para saber se este consegue fundamentar suas respostas, demonstrar seu raciocínio lógico; enfim, realizar uma análise profunda de problemas. Se não é viável realizar concursos de 1 semana para todo cargo, que pelo menos se aplique uma redação.
Por muitos anos houve questionamento sobre a transparência da ocupação de tais cargos públicos, muitos concursos eram conhecidos pelas "cartas marcadas". Esta prática é criminosa, é uma fraude contra os candidatos que se inscrevem e pagam um dinheiro que muitas vezes não podem dispor e também lesam o erário. Recentemente, na Universidade de São Paulo houve uma preocupação da reitoria em remover a responsabilidade do corpo docente na criação das provas e editais. O objetivo era tornar o processo mais transparente e impessoal, atendendo às exigências dos princípios da administração pública. Isso porque no passado, os docentes escolhiam os funcionários que trabalhariam em seu laboratório por meio de entrevistas. Hodiernamente, os concursos são publicizados, são do conhecimento de todos e não apenas publicações no site da USP.
(foto retirada de: http://juraemprosaeverso.com.br/GrandeArquivoDeFotosDoJuraEmProsaEVerso/40-Livros-Biblioteca/ )
Os problemas continuam, muitas das vezes, por não serem institutos sérios contratados para realização das provas de admissão. A licitação com os institutos deve ocorrer, mesmo que seja para provimento de vagas das mais singelas. Afinal, este é o princípio da impessoalidade. Simplesmente, se o instituto vazar os resultados corretos dos exames ficará impedido de participar da licitação pública. Não se pode admitir, ainda mais nos tempos atuais, uma administração pública personalista. Sobretudo em momentos de crise econômica, porque não mais pode-se admitir cargos comissionados para toda e qualquer função em uma profusão incrível de funções. Diga-se, muitos dos concursos realizados não são da escala federal ou estadual, mas das prefeituras e autarquias públicas. Assim, na microesfera do poder as irregularidades tendem ao infinito. O próprio MP-SP move ações contra prefeituras, e PREFEITOS, que superdimensionam os cargos comissionados e se negam a abrir concursos públicos. Em uma cidade próxima de Campinas, de 116 mil habitantes, havia cerca de 250 cargos comissionados, até o regente da banda mirim da cidade era comissionado. Cargos desta categoria devem ser da confiança política do gestor público e não devem ser do quinto ou sexto escalão da administração.
Portanto, nossa Democracia exige um comportamento condizente com os princípios da administração pública. Ao contrário do que muitos pensam, nosso país tem déficit de funcionários públicos. Não se pode pensar que o Estado Brasileiro é muito grande e que há uma máquina gigante, a máquina não é tão grande em relação a países de nossa proporção. No Brasil são em torno de 6O funcionários públicos por mil habitantes, no Chile são 78, na República Tcheca são 163, na Grécia 190 e no Reino Unido são 198*. O que se pode questionar é a eficiência dos serviços e políticas públicas prestadas em nosso país. Obviamente, muitos destes problemas ocorrem na gestão de funcionários públicos, falta de treinamento, problemas educacionais e processo seletivo ineficaz. É mais do que necessário rever as práticas de admissão de funcionários públicos e criação de mecanismos que avaliem os recursos humanos de forma mais ampla e robusta. Não apenas para garantir a lisura da distribuição de cargos, mas para melhorar a eficiência da gestão da administração pública no Brasil.
*Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
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